O período do domínio nazista na Alemanha certamente é uma época que deve ser esquecida pelos crimes que foram cometidos e pelos sofrimentos por que muitos passaram. No entanto, existem aspectos históricos que não devem ser esquecidos, principalmente os que levaram ao desenvolvimento de tecnologias que até hoje utilizamos como a dos fornos de microondas. Na Alemanha nazista, o rádio teve uma história bastante interessante que deve ser conhecida pelos nossos leitores.

Newton C. Braga
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Todo o poder que o governo nazista tinha sobre seu povo devia-se a uma máquina de propaganda fantástica que tinha a capacidade de convencer a todos que tudo que se fazia era certo.

Isso incluía não só a impossibilidade do cidadão comum saber o que se passava fora das fronteiras nazistas como também a utilização de meios que cancelavam qualquer tipo de informações externas que pudesse afetar os objetivos daquele governo.

Assim, Hitler se empenhou em criar coisas que fossem específicas para o uso do povo alemão como o “carro do povo” que deu origem ao conhecido Volkswagen, e da mesma forma tratou de desenvolver receptores de rádio que pudessem levar a todos os lares alemães a sua propaganda, sem poder, entretanto, sintonizar com facilidade sinais que viessem de fora.

E ele fez isso de uma forma muito bem feita. Tudo começou em 1933 quando Hitler se tornou Chanceler da Alemanha começando um trabalho de radiodifusão de propaganda organizado pelo Ministro do Interior Fric e um membro da AS chamado Hadamowsky.

Frick foi posteriormente julgado e condenado no tribunal de Nuremberg pelos crimes de guerra tendo sido enforcado.

Assim, em abril de 1933, engenheiros do Heinrich Hertz Institute, sob o comando do professor Leithäuser, mapearam a Alemanha toda, analisando as intensidades de campo em cada local, chegando à conclusão que bastava um receptor muito simples para se ter a cobertura de todo o território com estações localizadas, e esses receptores teriam dificuldades em receber qualquer sinal que viesse de fora.

Surgiu então o conceito de um receptor popular (volksempfänger em alemão) que poderia ser fabricado em massa e distribuído por toda a população.

Tudo isso foi acompanhado de severas leis que proibiam todos de sintonizar qualquer emissora estrangeira. As punições para esses casos iam de 5 anos de prisão à pena de morte.

O receptor, bastante simples, pois usava uma configuração regenerativa e apenas três válvulas, recebeu o nome de VE301, cuja propaganda é mostrada na figura 1.

Evidentemente, como qualquer receptor da época, o VE301 era totalmente baseado em válvulas, com um circuito relativamente simples que he garantia a sensibilidade necessária para receber as estações locais em ondas médias e longas, mas com pouca sensibilidade para receber estações mais afastadas, por motivos que já explicamos.

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Figura 1 – Propaganda da Alemanha nazista apregoando as maravilhas do receptor VE301, ainda muito cobiçado pelos colecionadores.

O VE301 foi apresentado ao povo alemão na Radio Fair em Berlin em agosto de 1933, tendo sido criado por Otto Griesing. O emblema nazista, uma águia, foi criado por Walter Maria Kersting, sendo colocado em todos os receptores.

O VE301 era produzido em diversos formatos e modelos, mas com o mesmo circuito interno que é mostrado na figura 2. Observe as válvulas RGN354 (retificadora de meia onda), a REN904 (triodo amplificador) e a RES1064 (pentodo de saída).

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Figura 2 – Diagrama do VE301 obtido na internet, em um dos muitos sites de colecionadores.

Conforme podemos ver, temos uma fonte de alimentação com uma válvula retificadora de meia onda, alimentada diretamente pela rede de energia.

Nesse diagrama, o circuito é alimentado por duas tensões, com retificação direta, mas haviam circuitos para várias tensões com transformador dotado de primário com derivações.

Na internet encontramos diversos circuitos que, em muitos casos são adaptações que possibilitam seu funcionamento com as tensões das redes atuais de energia.

Duas válvulas pentodo eram utilizadas na parte “ativa” circuito. A primeira formava uma etapa regenerativa que recebia os sinais do circuito de sintonia, formado por um conjunto de bobinas que poderia ser selecionado conforme a faixa recebida

Na figura 3 as válvulas RGN354 e RES1064 usadas no receptor.

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Figura 3 – Válvulas do VE301

Detalhe curioso é a presença de apenas 3 pinos na válvula retificadora de meia onda mostrada na figura 3.

Dois capacitores variáveis eram usados nessa etapa. Um para fazer a sintonia propriamente dita e outro para ajustar a regeneração de modo a se obter o maior ganho.

O sinal detectado por essa etapa passava através de um transformador de acoplamento à etapa seguinte onde uma segunda válvula fazia a amplificação de áudio entregando o sinal a um alto-falante.

Naquela época eram usados alto-falantes “de campo” com bobinas de alta impedância, o que permitia sua conexão direta ao anodo da válvula, sem a necessidade de um transformador de saída.

Esses alto-falantes em lugar do imã permanente tinham então uma bobina que gerava o campo magnético para a bobina móvel que então era excitada pelos sinais ou diretamente ou a partir de um transformador.

Na figura 4 temos um receptor desse tipo visto por trás.

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Na figura 5 mostramos outro cartaz de propagando do receptor, que apenas no ano da pré-produção vendeu 100 000 unidades.

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Figura 5 – Cartaz anunciando o “receptor do povo” (volksempfanger)

Finalmente, mostramos na figura 6 um receptor de colecionador, restaurado e mostrado na Internet. Observamos que o emblema nazista desses receptores foi retirado por motivos óbvios, já que em certos países sua presença é proibida.

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Alguns sites com textos e imagens do VE 301 (muitos em alemão):

Museu do Rádio – www.rundfunkmuseum.fuerth.de/german/tour-03.htm

Old Radio World: www.oldradioworld.de/volks.htm (muito bom com fotos e características de todos os modelos fabricados)

Rádios: www.r-a-d-i-o-s.de/ve/en_ve1.html

Antik Radio: www.antik-radio.de/radio/gemeinschaft.htm

Bunker Museum: http://www.bunkermuseum-hansa.de/Historische%20Radiotechnik.html

AERBRAS