Carta Aberta ao Mercado de Radiocomunicação Brasileiro​

Carta Aberta ao Mercado de Radiocomunicação Brasileiro

Regulação Responsiva: Aspectos Econômicos nas Telecomunicações

O funcionamento saudável dos mercados pressupõe que a concorrência estimule a inovação, aumente a eficiência e beneficie o consumidor. Entretanto, em determinados contextos, a lógica concorrencial pode produzir efeitos adversos, resultando na oferta de serviços de baixa qualidade e na consequente degradação de nichos de mercado. Eis aqui porque a economia é uma ciência humana, uma vez que, muitas vezes, expressa atitudes nem sempre racionais dos agentes econômicos. Essa dinâmica, longe de gerar ganhos sociais, pode consolidar ineficiências estruturais e criar o risco de formação de um consumidor de “segunda categoria”. Nesse cenário, o papel do regulador torna-se essencial para equilibrar liberdade econômica e proteção do interesse público, especialmente no setor de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs).

A concorrência, em tese, funciona como motor de eficiência. Contudo, em setores estratégicos como os de TICs, a lógica de mercado pode ser distorcida pela assimetria de informações, que impede o consumidor de avaliar plenamente a qualidade do serviço, e por uma dinâmica conhecida como race to the bottom, em que as empresas reduzem custos mediante a oferta de serviços degradados. Tal processo gera uma espiral de desqualificação, em que fornecedores que investem em qualidade são expulsos do mercado, aproximando-se do problema descrito por Akerlof em The Market for Lemons (1970)¹, no qual a incapacidade de distinguir bens de boa e má qualidade conduz ao desaparecimento dos primeiros e à predominância dos segundos.

Embora o exemplo acima tenha ocorrido da observação da assimetria de informações entre consumidores de veículos usados e lojistas de carros, nas TICs em geral, boas empresas passam por grandes dificuldades em tangibilizar o “valor” de seus produtos e serviços, cada vez mais difícil de ser percebido devido à pressão por redução de custos e à falta de conhecimento do consumidor. Na Radiocomunicação Profissional, ramo essencial para o suporte de serviços essenciais para a indústria e órgãos públicos, tem sido bastante desafiadora a argumentação em prol do segmento produtivo que paga impostos, gera empregos, recicla resíduos e se compromete com práticas ESG (Environment, Social and Governance), mesmo quando se trata de clientes corporativos públicos e privados. No caso de clientes da administração pública, a assimetria de informações gera um prejuízo em cascata para a sociedade, acarretando a aquisição de bens e serviços degradados, que inevitavelmente se refletirão em serviços públicos aquém do que a sociedade efetivamente necessita.

Nesse contexto, cabe ao regulador, no caso a Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações, impedir que a degradação do mercado se perpetue, protegendo o consumidor e garantindo o equilíbrio competitivo. Essa atuação não é neutra, pois as decisões no âmbito econômico frequentemente carregam motivações políticas, que podem tender a posições mais intervencionistas ou, ao contrário, direcionadas ao laissez-faire, in casu, desregulamentação. Destarte, a regulação deve, portanto, encontrar um ponto de equilíbrio entre a promoção de um ambiente competitivo e a necessidade de intervir para corrigir falhas de mercado e assegurar direitos fundamentais. O papel do Estado não se limita a fiscalizar, mas também a orientar o setor mediante instrumentos de política pública, aplicando a lógica da regulação responsiva formulada por Ayres e Braithwaite (1992)², doutrina internacional acolhida no Brasil há muitas décadas, que privilegia inicialmente o diálogo e a cooperação, mas, quando necessário, implementa medidas coercitivas e sanções punitivas.

Ademais, no cenário contemporâneo, as tensões geopolíticas assumem papel central no desenho regulatório do setor de telecomunicações, impondo ao regulador a árdua tarefa de equilibrar a balança entre eficiência técnica e desenvolvimento econômico em tempos de instabilidades políticas e hostilidades diplomáticas inéditas na história recente. Disputas estratégicas entre Estados e blocos econômicos impactam diretamente o acesso a tecnologias críticas, a definição de padrões internacionais e impõem desafios adicionais no âmbito multilateral dos organismos supranacionais setoriais. Soma-se a esse quadro a dependência estrutural das empresas de telecomunicações em relação aos fluxos internacionais de capitais, que orientam decisões de investimento de acordo com critérios ditados pela macroeconomia global. Nesse sentido, escolhas tomadas em centros financeiros internacionais repercutem diretamente na qualidade e na disponibilidade dos serviços prestados em nível doméstico, exigindo do regulador não apenas competência técnica, mas também sensibilidade política e capacidade de antecipar riscos diante de um ambiente internacional cada vez mais volátil.

No Brasil, destacam-se os instrumentos do Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU) e do Plano Geral de Metas de Competição (PGMC), que visam, respectivamente, assegurar a oferta de serviços a toda a população e promover um ambiente competitivo equilibrado. Soma-se a esses mecanismos a exigência de homologação de produtos, que garante que apenas equipamentos compatíveis com padrões técnicos e de segurança possam ser comercializados e utilizados em território nacional, prevenindo a disseminação de dispositivos ineficientes ou prejudiciais à rede e à saúde da população brasileira.

Mais recentemente, observa-se também a intensificação das fiscalizações da Anatel, acompanhada de ações de conscientização do consumidor. Tais medidas refletem a adoção da metodologia conhecida como triplo EEE (engineer, enforcement and education), segundo a qual a regulação eficiente deve combinar a aplicação efetiva de sanções (premiais ou punitivas), a educação do consumidor e a indução técnica do setor produtivo para que se adeque às normas de qualidade e eficiência. Essa integração metodológica revela uma abordagem regulatória moderna, que busca alinhar repressão, orientação e inovação, de modo a consolidar um mercado competitivo, inclusivo e comprometido com a universalização do acesso.

Conclui-se, portanto, que o regulador desempenha papel central na preservação da qualidade e da eficiência dos mercados de TICs. Ao atuar como garantidor da inclusão, da qualidade e da competitividade, protege o consumidor, evita a consolidação de nichos degradados e assegura o cumprimento das metas de universalização e de competição. Mais do que uma função técnica, trata-se de uma função política, cuja legitimidade repousa na capacidade de equilibrar os imperativos da economia global, as tensões geopolíticas e as exigências da ordem jurídica e do interesse público nacional. Nesse contexto a Aerbras parabeniza a Anatel e saúda os novos conselheiros recém empossados desejando-lhes um mandato profícuo e laureado de êxitos.

Odete Ribeiro Filha

Presidente da Aerbras

Carlos Romano

Vice-Presidente da Aerbras

Dane Marcos Avanzi

Diretor Jurídico

Referências

1. AKERLOF, George A. The Market for Lemons: Quality Uncertainty and the Market Mechanism.Quarterly Journal of Economics, v. 84, n. 3, p. 488-500, 1970.

2. AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992.

3. BERCOVICI, Gilberto. Direito Econômico: fundamentos, transformações e tendências. São Paulo: Malheiros, 2005.

4. SUNDFELD, Carlos Ari; ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito da Regulação e Políticas Públicas. São Paulo: Malheiros, 2019.

5. ANATEL. Agência Nacional de Telecomunicações. Relatórios e normativos disponíveis em: https://www.anatel.gov.br. Acesso em: set. 2025.

AERBRAS