Nas sociedades primitivas a produção de bens era limitada e produzida por famílias que trocavam seus produtos de subsistência através do escambo, organizado em locais públicos, decorrendo daí a origem do termo Pregão da Bolsa. Com o passar do tempo, especialmente na antiguidade, época que os povos já dominavam a navegação, o comércio internacional se modernizou e engendrou a criação de moedas, com o intuito de facilitar a circulação de mercadorias, que tinham como lastro elas mesmas, geralmente alcunhadas em ouro, prata ou bronze, metais preciosos desde sempre.

Na alta idade média, a Revolução Industrial ocorrida inicialmente na Inglaterra e Holanda por volta de 1750, viria a criar uma quantidade de riqueza acumulada tão grande que transformaria o próprio dinheiro em mercadoria. Nascia o mercado financeiro em Amsterdã que depois se espalharia por toda a Europa e pelo mundo.

A grande inovação na época foi o mecanismo de compensação nos pagamentos, mais seguro e prático, no qual um banco emitia uma ordem de pagamento para outro em favor de determinada pessoa e esta poderia sacá-la sem que uma quantidade enorme de dinheiro ou ouro tivesse que ser transportada entre continentes. Essa ordem de pagamento, hoje reconhecida no mundo financeiro como título cambial, tem como instrumento mais conhecido o “cheque”, “neto” da letra de câmbio, amplamente usada pela burguesia em transações financeiras na alta idade média. A teoria nos ensina que são três principais características: a cartularidade, a autonomia e a abstração.

Ora, o que isso tem a ver com Bitcoins? Foi necessária essa pequena exegese para refletirmos que não importa a forma como a sociedade queira se organizar, ela é sempre motivada por um fenômeno humano. Como nos ensina Platão, a necessidade é a mãe das invenções. Considerando o dinamismo da evolução da sociedade da informação inicialmente revolucionada pela invenção do codex e da imprensa nos idos de 1450, que possibilitou na idade média o armazenamento e circulação de grandes volumes de informação, e, recentemente, o fenômeno da internet, que eliminou distâncias e barreiras culturais transformando o mundo em uma aldeia global, seria impossível que o próprio mundo virtual não desenvolvesse sua moeda, não somente por questão financeira, mas sobretudo para afirmação de sua identidade cultural.

Criada por um “personagem virtual”, cuja identidade no mundo real é motivo de grande especulação, a Bitcoin, resumidamente, é uma moeda virtual que pode ser utilizada na aquisição de produtos e serviços dos mais diversos no mundo virtual, inclusive no sombrio mundo da Deep Internet, onde são comercializados produtos e serviços ilegais. Destarte salientar outro aspecto de difícil controle sobre as bitcoins, qual seja, sua emissão descentralizada. Resumindo, trata-se de um título cambial digital, sem emissor, sem cártula, e portanto, sem lastro, uma aberração no mundo financeiro, que não obstante a isso tem valor.

No entanto, ao que tudo indica, essa questão do lastro está prestes a ser resolvida. Explico. Grandes corporações como Microsoft, Apple, Facebook e Google, começam a acenar com a possibilidade de aceitar bitcoins na compra de serviços. Se a indústria pesada da tecnologia realmente adotar políticas reconhecendo e incluindo bitcoin como moeda válida, estará dado o primeiro passo para a criação de um mercado financeiro global de bitcoins. Esse assunto é de alta relevância para a sociedade como um todo e poderá abrir as portas para novos serviços nas estruturas que se formarão não somente no mercado financeiro em todas as suas facetas, me refiro a bolsa de valores inclusive, bem como em novos campos do direito e na atividade estatal de regulação dessa nova moeda.

Certamente a consolidação dos bitcoins não revogará as outras modalidades de circulação de riqueza criadas ao longo da história, posto que ainda é possível trocar mercadorias, emitir letras de câmbio, transacionar com moedas e outros títulos. Ao longo do tempo aprendemos também que os instrumentos se inovaram e tornaram-se mais sofisticados, fato que constitui um desafio para o mundo do direito.

 

Dane_Avanzi_ClienteSADane Avanzi é vice-presidente da Aerbras, diretor superintendente do Instituto Avanzi, advogado especializado em telecomunicação e autor dos livros “Radiocomunicação digital: sinergia e produtividade” e “Como gerenciar projetos”.

 

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