A 6ª Turma do TRF entendeu que a empresa pode continuar a pagar um valor bem menor ao que as demais pagavam, porque as outras “dominam o mercado”.
A 6ª Turma do TRF1 assegurou à empresa Hoje Sistemas de Informática Ltda a manutenção de sua interconexão com as instituições Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Tim Celular S/A, Claro S/A, VIVO S/A e OI/AS, ora agravadas, e a fixação do Valor de Uso de Rede Móvel (VU-M) em R$ 0,03 (três centavos) por minuto a todas as operadoras, indistintamente, podendo esse valor ser modificado a critério do Juízo de primeiro grau após a realização de perícia.
Nos termos da Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/97), interconexão é a ligação entre redes de telecomunicações funcionalmente compatíveis de modo que os usuários de serviços de uma das redes possam se comunicar com os usuários de serviços de outra rede ou acessar os serviços nela disponíveis quando fora da área de cobertura.
A agravante pretende a preservação da sua interconexão com vistas a viabilizar sua continuidade empresarial. Argumenta que seu objetivo é questionar os valores, que considera ilegais, cobrados pelas empresas agravadas que dominam o mercado de telecomunicações, alegando que os valores devem ser justos, isonômicos e não discriminatórios. Requer a concessão de tutela recursal antecipatória para que seja deferida a liminar em plantão judicial e sejam revigoradas as decisões exaradas pela Justiça Estadual do Amazonas que estabeleceram os valores incontroversos e garantiram depósitos em consignação.
No TRF1, o processo foi distribuído à relatoria do desembargador federal Kassio. Em seu voto, o magistrado destacou que são relevantes as alegações da recorrente, pois se referem a atos praticados pelas empresas agravadas que caracterizariam infrações da ordem econômica ao limitarem a concorrência por meio da cobrança de taxas de interconexão excessivamente onerosas.
O desembargador assinalou que a fixação do Valor de Uso de Rede Móvel (VU-M) é “tarefa árdua a ser atingida, no entanto, constatado que há prova de que as agravadas, por alguma razão ainda não esclarecida, têm praticados preços públicos bem abaixo do valor da VU-M”. Conforme o magistrado, não se verifica a “impossibilidade de tal tarefa, pois o Poder Judiciário teria como balizadores iniciais do litígio os preços públicos praticados pelas operadoras de telefonia, ora agravadas, até porque uma delas (TNL PCS S/A – Oi) admite a existência da aludida substancial diferença de preços públicos praticados e que tal fato decorreria de ‘legítimas razões comerciais que justificariam as peculiaridades e diferenças que motivam a adoção de promoções e descontos’”.
Segundo o relator, “os primados da livre iniciativa e da livre concorrência, insculpidos no art. 170, caput, e IV, da CF/1988, respectivamente, foram a base do chamado livre mercado. Todavia, a livre concorrência nem sempre conduz a uma situação de livre mercado. Daí a necessária do Estado regulador e fiscalizador, que deve atuar disciplinando esta competitividade, especialmente nos fatores conformadores dos preços, assim como deve ser no dinamismo de mercado e na economia de escala, obstando que estes elementos se tornem instrumento de restrição à capacidade de iniciativa dos concorrentes”.
O magistrado salientou que é na relação entre a livre concorrência e a livre iniciativa que o Estado deve exercer suas medidas regulatórias a prevenir ou a evitar abuso do poder econômico e que é esse o objetivo do art. 173, § 4º da CF/88, o qual, ao falar de mercado, estatui que a lei deve reprimir o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário de lucros.
De acordo com o desembargador, a Constituição Federal/88 declara o mercado interno como patrimônio nacional e exige do Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica, o exercício da função de fiscalização. “Não fogem ao alcance desta apreciação os atos usuais das empresas privadas, especialmente quando desempenham atividades delegadas ou autorizadas pelo Estado”, mencionou.
Kassio Marques acrescentou que “já se foi o tempo em que o braço do Estado só atingia o ato individual, consciente e intencionalmente predisposto a ferir a ordem econômica e a livre concorrência, pois é a repercussão destes atos que merecem especial atenção, sendo indistintos para os fins colimados nos autos se foram movidos pela intencionalidade ou pela causalidade”.
Não se pode admitir, acentuou o magistrado, a fixação de preços pela Anatel de forma cartesiana – “sabidamente superiores ou em extrema desproporção com os preços públicos das operadoras de telefonia móvel –, afastando-se dos critérios adotados na lei de regência, qual seja, a indicação de custos mínimos para que se confira tratamento não discriminatório, isonômico e justo, visando a atender ao estritamente necessário para a prestação do serviço”.
Evidenciada, na hipótese, a típica ilegalidade que autoriza e legitima a excepcional intervenção do Poder Judiciário na relação contratual estabelecida entre as operadoras de telecomunicações e a própria agência reguladora da atividade em análise (Anatel), torna-se cabível fixar em R$ 0,03 (três centavos) o valor da VU-M a ser pago, indistintamente, por todas as operadoras, concluiu o relator.
A decisão foi unânime. (assessoria de imprensa).
Fonte: Tele.Síntese